Em atas do Conselho Nacional da Amazônia, Salles diz que destruição da floresta é “balela”

  História por Anna Beatriz Anjos • Há 2 h

Em reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), o então ministro do Meio Ambiente e hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) atacou, sem provas, a teoria do tipping point, ou ponto de não retorno, da Amazônia, considerada referência no mundo todo e trabalhada há mais de 30 anos sobretudo pelo climatologista brasileiro Carlos Nobre. As falas de Salles constam nas atas dos encontros do colegiado, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI) e divulgadas hoje na íntegra pela Agência Pública.

“A teoria do Tipping Point do Carlos Nobre, a savanização da Amazônia, [é] balela”, disse o ex-ministro na reunião do dia 10 de fevereiro de 2021, a primeira daquele ano. Mais adiante em sua fala, no entanto, ele assumiu não ter como apontar que os estudos de Nobre estão equivocados. “Quando o Carlos Nobre e não sei mais quem levantar a teoria do ‘Tipping point’, você fala: ‘negativo, saíram 16% de vegetação primária, mas teve 8, teve 9, teve 4, teve alguma coisa de recobrimento’. Mas não temos dados, então não podemos dizer”, admitiu.

As pesquisas de Nobre, referência internacional nos estudos sobre a Amazônia, indicam que, quando o desmatamento e a degradação da floresta atingirem um patamar entre 20% e 25%, ela deve chegar ao seu ponto de não retorno, ou seja, perder irreversivelmente suas características de floresta tropical úmida – o chamado processo de “savanização” – e a capacidade de prestar serviços ecossistêmicos cruciais, como a regulação do regime de chuvas. Não há um consenso sobre em que estágio a Amazônia se encontra agora, mas a comunidade científica entende que estamos caminhando a passos largos na direção do ponto de não retorno e que algumas áreas do bioma já podem tê-lo atingido. O falecido biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, criador do conceito de “biodiversidade”, foi companheiro de Nobre nas pesquisas sobre o tema.

O trabalho de Nobre é respeitado em todo o mundo. Ele é pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), autor de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e, em 2022, foi eleito membro da Royal Society, a mais antiga academia de ciências em atividade no mundo, que seleciona estudiosos por suas “excelentes contribuições à ciência”. O único brasileiro a alcançar o feito antes dele havia sido o imperador Dom Pedro II, em 1871.

Salles defendeu que o projeto do governo federal TerraClass, executado por uma parceria da Embrapa com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – não vinculado, portanto, ao Ministério do Meio Ambiente –, poderia fornecer dados condizentes à sua narrativa. O projeto mapeia os diferentes tipos de uso da terra na Amazônia, investiga as razões do desmatamento no bioma e rastreia a regeneração de áreas desflorestadas. O TerraClass começou a funcionar em 2010, foi descontinuado por falta de recursos em 2016 e retomado no fim de 2020 a partir de um acordo com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) para atualização da série histórica. O ex-ministro já havia falado em reativar a iniciativa em novembro de 2019, quando foi divulgada a taxa de desmatamento na Amazônia medida pelo Inpe para aquele ano, que revelou um aumento de 29,5% em comparação ao período anterior, a terceira maior alta até então – a situação ainda se agravaria em 2020 e 2021.

Na reunião do CNAL, o agora deputado federal explicou que o TerraClass seria importante para calcular dados de recuperação de áreas degradadas na Amazônia e “deduzir da conta do desmatamento aquilo que regenerou”, provavelmente com a intenção de fazer frente à teoria do ponto de não retorno, que ele insistia, sem provas, estar incorreta. “Isso é nosso, é para nosso favor. É nosso benefício fazer o ‘TerraClass’ funcionar”, apontou. O TerraClass ainda não publicou novos dados sobre a Amazônia Legal: os mais recentes se referem a 2014, mas, segundo a Embrapa, o mapeamento relativo a 2020 deve ser apresentado ainda neste ano, seguido pelos de 2022, 2018 e 2016. Para o Cerrado, já estão disponíveis números sobre 2018 e 2020.

Enquanto esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, de janeiro de 2019 a junho de 2021, Salles participou de quatro encontros do Conselho. Em junho de 2021, renunciou ao cargo e foi exonerado depois que dois inquéritos da Polícia Federal foram instaurados contra ele, um por suspeita de ligações com um esquema de exportação ilegal de madeira e outra por atrapalhar ação de fiscalização da própria PF em um caso que envolvia atuação ilegal de madeireiros. Ele foi substituído pelo ruralista Joaquim Leite, então secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta, que ocupou o posto até o fim do governo de Jair Bolsonaro.

      © José Cruz/Agência Brasil]]>

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