BRASILEIRAS Sem informação confiável sobre raça e cor, o Brasil segue reproduzindo desigualdades que poderiam — e deveriam — ser enfrentadas com políticas públicas mais justas.
Por Antônio Oliveira Brito – Especialista em Neurociência, Comunicação e Desenvolvimento Humano.
Falar sobre igualdade racial no Brasil é tocar em uma ferida antiga. Apesar dos avanços sociais e do reconhecimento da diversidade como valor, as estatísticas continuam mostrando que a cor da pele ainda define oportunidades, destinos e, infelizmente, riscos de vida. O “Atlas da Violência 2023” deixou isso mais uma vez evidente: a população negra segue desproporcionalmente exposta à violência letal.
Mas para entender – e transformar – essa realidade, é preciso mais do que indignação. É preciso “dados”. Sem informações confiáveis e atualizadas, políticas públicas se tornam ações sem rumo, baseadas em suposições ou boas intenções. E é justamente aí que mora um dos nossos maiores desafios: coletar, organizar e interpretar dados raciais de maneira séria, padronizada e transparente.
O problema começa na coleta
A coleta de dados raciais no Brasil enfrenta obstáculos que vão desde a resistência institucional até erros de registro e falta de padronização entre diferentes bancos de dados. Em muitos casos, a própria pergunta sobre raça ou cor é mal compreendida ou evitada, como se nomear o racismo fosse mais ofensivo do que o racismo em si.
Usar as categorias definidas pelo IBGE — branca, preta, parda, indígena e amarela — é essencial, pois garante comparações e consistência entre pesquisas e políticas. Mesmo assim, o preconceito e o desconhecimento ainda fazem com que muitas pessoas evitem se autodeclarar negras, o que distorce a realidade e máscara desigualdades.
O olhar que precisa ser ampliado
Dados raciais, sozinhos, contam apenas parte da história. É preciso cruzá-los com outras variáveis — gênero, renda, escolaridade, território — para compreender como o racismo se manifesta de forma interligada com outros tipos de desigualdade.
Por exemplo: mulheres negras estão entre as maiores vítimas de violência doméstica e entre as mais afetadas pelo desemprego e pela informalidade. Esses dados mostram que raça e gênero atuam juntos, e que políticas públicas precisam enxergar essa sobreposição para serem efetivas.
Mais do que números, trata-se de enxergar vidas — e de entender como o racismo estrutural, presente nas instituições e nas mentalidades, molda oportunidades e expectativas.
Racismo estrutural e a face da violência
Os números da violência são chocantes. Segundo o “Atlas da Violência 2023”, o risco de um jovem negro ser assassinado no Brasil é muito maior do que o de um jovem branco. Isso não acontece por acaso. É o resultado de um racismo que se perpetua nas práticas de segurança pública, nas decisões judiciais e na forma como a sociedade enxerga quem é “suspeito”.
O viés racial ainda orienta abordagens policiais, julgamentos e até políticas de encarceramento. Enquanto isso, o discurso da “neutralidade” serve para esconder a desigualdade, não para enfrentá-la. Reconhecer o racismo estrutural é o primeiro passo para mudá-lo — negar sua existência é apenas perpetuá-lo.
Educação: uma chave que ainda não virou
A escola é um espaço estratégico para combater o racismo, mas a realidade ainda está longe do ideal. A Lei 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, foi um avanço histórico, mas sua aplicação encontra resistência.
Muitos professores não têm formação adequada, os materiais didáticos são escassos e, em várias escolas, o tema ainda é tratado como algo “extra”, e não como parte essencial da formação cidadã. Essa resistência, consciente ou não, revela o quanto o racismo também é uma questão cultural e institucional.
Educar para a igualdade racial não é apenas ensinar sobre o passado, mas formar novas gerações capazes de reconhecer injustiças e atuar para transformá-las.
Por que tudo isso importa
Os dados não são frios quando tratam de vidas humanas. Cada número representa uma história interrompida, uma oportunidade negada, uma trajetória invisibilizada. Produzir e analisar informações raciais com seriedade é uma forma de reconhecer a realidade para, então, transformá-la.
Não há política pública eficaz sem diagnóstico preciso. E não há democracia plena sem igualdade racial. O Brasil precisa olhar para seus próprios dados sem medo — e, mais do que isso, precisa agir sobre eles.
A luta contra o racismo não se faz apenas nas ruas ou nas redes sociais, mas também nas planilhas, nos relatórios, nas escolas e nas decisões de governo. Somente com informação, coragem e compromisso será possível romper o ciclo histórico de exclusão e construir um país em que a cor da pele não determine o destino de ninguém.
Nota do autor: Antônio Oliveira Brito é pesquisador e palestrante em temas relacionados à neurociência, comunicação e desenvolvimento humano. Atua na interface entre educação, comportamento e inclusão social, com foco em estratégias de transformação coletiva. Reside em Cacoal (RO).
