Por: Antônio Oliveira Brito — Policial Civil; Especialista em Ciência Política; Políticas e Gestão em Segurança Pública e Análise Criminal.
RIO DE JANEIRO — A maior operação policial contra o Comando Vermelho (CV) nos últimos anos, deflagrada na madrugada de 28 de outubro de 2025 nos complexos do Alemão e da Penha, deixou um saldo controverso: dezenas de mortos, prisões e apreensões, mas também questionamentos sobre a falta de planejamento estratégico e de inteligência integrada.
Cerca de 2.500 agentes participaram da ação, considerada a mais ampla do ano no Estado. O governo estadual classificou a ofensiva como resposta a “atos de terrorismo criminal”, enquanto especialistas apontaram falhas operacionais e a ausência de coordenação entre as forças envolvidas.
O episódio ocorreu em meio ao debate nacional sobre a PEC 18/2025 da Segurança Pública, que tramita na Câmara dos Deputados e busca redesenhar as competências entre União, estados e municípios, além de constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). A coincidência temporal reforçou a urgência de discutir a eficácia do atual modelo de gestão da segurança e a necessidade de fortalecer a inteligência policial como eixo estruturante das políticas públicas.
Planejamento e inteligência: o elo perdido das operações
A operação no Rio escancarou um problema recorrente: ações reativas, de alto custo humano e baixa efetividade estratégica. O enfrentamento direto ao crime organizado, sem o devido suporte de inteligência e coordenação interinstitucional, tende a produzir resultados imediatos, mas frágeis no médio prazo.
Especialistas ressaltam três pontos críticos:
1. Planejamento deficiente: Operações desse porte exigem definição de alvos prioritários e sincronização de forças, sob pena de dispersar recursos e aumentar riscos a civis.
2. Inteligência insuficiente: A ausência de mapeamento preciso das redes financeiras e logísticas das facções limita o impacto real das ações repressivas.
3. Integração falha: A falta de interoperabilidade entre órgãos estaduais e federais impede uma resposta sistêmica, deixando brechas que o crime organizado explora com agilidade.
Essas deficiências reforçam a percepção de que a segurança pública brasileira carece de uma política de Estado baseada em inteligência e análise criminal, e não apenas em operações ostensivas de curto alcance.
PEC 18/2025: promessa de integração ou risco de burocratização?
A PEC da Segurança Pública, em tramitação na Câmara, propõe institucionalizar o SUSP, ampliar a coordenação nacional e definir parâmetros de cooperação entre os entes federativos. A medida pretende oferecer bases legais e orçamentárias para a atuação conjunta de polícias, guardas e órgãos de inteligência.
Contudo, há riscos e limitações apontados por especialistas:
• Norma sem prática: Alterar a Constituição não garante, por si só, a eficiência operacional — é preciso investir em formação, tecnologia e cultura de compartilhamento de dados.
• Risco de centralização excessiva: A ampliação de competências federais pode gerar tensões com os estados, que detêm a execução direta do policiamento.
• Ausência de métricas de desempenho: Sem indicadores objetivos de resultado e controle externo, a integração pode se tornar apenas um arranjo burocrático.
A PEC, portanto, representa uma oportunidade, mas também um teste político e técnico: transformar o discurso da integração em prática de inteligência e planejamento real.
O que o caso revela sobre o futuro da segurança pública
A ofensiva de 28 de outubro demonstrou que a ausência de inteligência estruturada cobra um preço alto, tanto em vidas quanto em legitimidade institucional.
A médio prazo, o Brasil precisa alinhar sua política de segurança a princípios de planejamento baseado em evidências, análise preditiva e interoperabilidade tecnológica, reforçando a inteligência policial como núcleo das operações.
Enquanto a PEC 18/2025 avança em Brasília, o caso do Rio de Janeiro se torna um retrato do descompasso entre o aparato policial e a política pública, e um lembrete de que nenhuma mudança constitucional substituirá o investimento contínuo em conhecimento, tecnologia e formação de profissionais capazes de transformar dados em decisões estratégicas.
Nota do Autor
Antônio Oliveira Brito é Policial Civil, Cacoal/RO, Especialista em Ciência Política; Políticas e Gestão em Segurança Pública e Análise Criminal. Atua há mais de 33 anos no serviço público, com experiência em investigação, inteligência policial e formulação de políticas de segurança. Pesquisador independente, dedica-se ao estudo da integração entre inteligência e políticas públicas, com foco em prevenção criminal e gestão estratégica das forças de segurança.
