O desafio de Milei

O desafio de Milei

Javier Milei já percebeu que não vai ganhar no grito. Desde que assumiu, tentou emparedar o parlamento para aprovar, de uma só vez, um conjunto de mais de 600 artigos conhecidos como “Lei Ônibus”.

Ao perceber que passou do ponto, desidratou o projeto, convenceu os deputados, mas perdeu no Senado.

Nesta terça-feira (30), uma versão ainda mais enxuta do pacote passou de novo pela câmara baixa, mas ainda vai exigir uma negociação dura com os senadores.

Milei quer levar a cabo a privatização de empresas como as Aerolíneas Argentinas, mas, neste momento, desistiu de leiloar o Banco Nación.

O presidente talvez tenha se valido da ideia de que todo recém-eleito tem um período de lua de mel com os eleitores em que o Congresso procura demonstrar boa vontade para evitar conflitos com um líder de popularidade alta.

O problema é que essa suposta lua de mel tem sido cada vez mais curta na história recente. Milei tem a seu favor o estado de mobilização permanente que transforma parte dos eleitores em seguidores fieis quando se trata da direita radical. Mas isso não garante apoio majoritário.

Sabemos que, nas campanhas, as promessas e os arroubos são muito mais intensos do que no dia-a-dia de um governo.

Milei, o leão, rugia prometendo vender todas as empresas estatais, fechar o banco central e dolarizar a economia, acabar com a “casta” que, segundo ele, sugava todo o dinheiro e a energia do país. Foi o suficiente para bater um peronismo cansado com um líder já nocauteado.

Agora que é com ele, o libertário sabe que, se não entregar logo alguma melhora, poderá ser devorado por uma opinião pública que não o verá mais como o rei da selva.

Empregos e crescimento da economia estão fora de cogitação neste 2024, com previsões de uma recessão de até 5%, fruto, inclusive, dos cortes do governo.

 

Inflação desafia Milei

Um dos inúmeros desafios de Milei na Argentina é domar a inflação que estrangula o bolso dos argentinos  SBT.jpgUm dos inúmeros desafios de Milei na Argentina é domar a inflação que estrangula o bolso dos argentinos SBT.jpg

Se conseguisse segurar a inflação, já teria o que mostrar. É nisso que aposta.

Nas últimas entrevistas, Milei torturou os números para exibir alguns avanços.

Com a inflação oficial acima de 10% ao mês, cita os preços no atacado, que se comportaram mais.

Também bate bumbo para o superávit fiscal de 0,2% do PIB no primeiro trimestre, sem explicar que só chegou a isso com o achatamento dos salários dos aposentados, que receberam aumentos bem abaixo da inflação.

Com o poder de compra lá embaixo, esse pode se transformar em mais um setor de insatisfação contra o governo.

Na semana passada, a marcha estudantil muito maior que a Casa Rosada previa e praticamente apartidária, abraçando extratos heterogêneos da sociedade que incluem eleitores de Milei, foi um recado claro de que não se aceitará fechamento de universidades em nome de manter o superávit.

Recompor o orçamento para que o ensino superior público continue a funcionar vai exigir uma gestão mais sofisticada dos cortes. E, de novo, o problema é tempo.

Historicamente, argentinos têm pavio curto com governantes. E sabem, como ninguém, externar a insatisfação. Pesquisas recentes mostram que Milei ainda tem apoio de metade da população, mas com pouco espaço para errar.

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